Um dos dados mais alarmantes do diagnóstico que norteou o desenho do Plano Brasil Sem Miséria foi a constatação de que, dentre a população que se encontrava em situação de extrema pobreza[1] à época do seu lançamento (junho de 2011), 42% tinham menos de 15 anos, de acordo com dados do Censo 2010. Era fundamental que o Plano trouxesse uma ação de forte impacto para lidar com esse problema. Essa ação é o Brasil Carinhoso.
Anunciado pela Presidenta Dilma em maio de 2012, por ocasião do Dia das Mães, o Brasil Carinhoso tinha por objetivo retirar da miséria todas as famílias beneficiárias do Bolsa Família com pelo menos um filho entre 0 e 6 anos. Dado o sucesso da iniciativa, decidimos ir além, ampliando o Brasil Carinhoso para alcançar famílias com pelo menos um filho de até 15 anos a partir de dezembro de 2012.
O benefício
O benefício do Brasil Carinhoso começou a ser pago por meio do cartão do Bolsa Família em junho de 2012. Em dezembro terá início o pagamento da versão “expandida” do Brasil Carinhoso, envolvendo famílias com filhos de até 15 anos.
O objetivo do benefício é proporcionar um complemento à renda das famílias extremamente pobres com uma ou mais crianças ou adolescentes de 0 a 15 anos, de modo que todos os membros da família superem o patamar de R$ 70 mensais. Ou seja, com o benefício, todas as pessoas dessas famílias superam a extrema pobreza. Para saber mais sobre todos os benefícios do Bolsa Família, e entender o cálculo do benefício do Brasil Carinhoso, ver o Anexo I deste documento.
A concessão do benefício é automática. As famílias não precisam solicitá-lo, a menos que estejam com informações sobre as crianças e adolescentes de até 15 anos desatualizadas no Cadastro Único para Programas Sociais, caso em que devem procurar a rede de assistência social de seu município.
Impactos
Na primeira fase do Brasil Carinhoso, cerca de 9,1 milhões de pessoas saíram da miséria (entre elas, 2,8 milhões de crianças de 0 a 6 anos), de acordo com dados do Cadastro Único para Programas Sociais – a um custo anual de R$ 2 bilhões.
Com a expansão (até 15 anos), o número de famílias beneficiadas pela iniciativa salta de 2,2 milhões na primeira fase do Brasil Carinhoso para 3,9 milhões. Assim, mais 6,7 milhões de pessoas deixam a extrema pobreza (2,9 milhões delas de 7 a 15 anos) – a um custo adicional de R$ 1,74 bilhão ao ano.
A primeira fase do Brasil Carinhoso: 0 a 6 anos
A primeira fase do Brasil Carinhoso, lançada em maio de 2012, foi concebida numa perspectiva de atenção integral à criança na primeira infância, incluindo aspectos do desenvolvimento infantil ligados à renda, à saúde e à educação. Por isso, além do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), estão envolvidos também o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação (MEC), além dos estados e dos municípios. A vertente de transferência de renda já foi explicada acima. Abaixo, as ações nas áreas de saúde e educação.
Saúde
Na área da saúde, o Brasil Carinhoso trata os males que mais prejudicam o desenvolvimento na primeira infância.
O Ministério da Saúde está expandindo a distribuição de doses de vitamina A para crianças entre 6 meses e 5 anos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e em campanhas de vacinação. A medida previne a deficiência dessa vitamina, que acomete 20% das crianças menores de 5 anos e, quando severa, provoca deficiência visual (cegueira noturna), aumenta o risco de morbidades e mortalidade e o risco de as crianças desenvolverem anemia. De junho a outubro de 2012, 2,9 milhões de crianças foram atendidas em 1.974 municípios do Norte, Nordeste, Goiás e Mato Grosso.
O Brasil Carinhoso também aumenta a oferta de sulfato ferroso na Rede de Atenção Básica de Saúde. A necessidade de ferro das crianças menores de 24 meses é muito elevada e dificilmente provida apenas por alimentos. Se essa necessidade não for suprida, pode levar à deficiência de ferro e à anemia, que prejudica o desenvolvimento infantil. Desde o lançamento do Brasil Carinhos, foram distribuídos 4,2 milhões de frascos para crianças de 0 a 5 anos.
A distribuição gratuita, nas unidades do “Aqui Tem Farmácia Popular”, de medicamentos para asma – a segunda maior causa de internação e óbito de crianças – completa o pacote da Ação Brasil Carinhoso na Saúde.
Educação
Para que os serviços de educação infantil cheguem à população mais pobre, a Ação Brasil Carinhoso dá estímulos financeiros aos municípios e ao Distrito Federal. O objetivo é incentivar o aumento da quantidade de vagas para as crianças de 0 a 48 meses (especialmente as beneficiárias do Bolsa Família) nas creches públicas ou conveniadas com o poder público. E, com mais recursos, induzir a melhora do atendimento às crianças e suas famílias. Isso é feito em duas frentes:
• O MEC antecipa os valores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para as vagas em novas turmas de educação infantil abertas pelos municípios e pelo Distrito Federal. Com isso, os municípios não têm de esperar pela divulgação dos resultados do Censo Escolar da Educação Básica para receber os recursos;
• O MDS repassa 50% mais recursos por vaga ocupada por crianças beneficiárias do Bolsa Família em creches públicas ou conveniadas. Este recurso adicional pode ser utilizado para custear alimentação e cuidados pessoais das crianças.
Essas duas medidas vêm se somar ao financiamento para a construção de novas creches que o MEC já proporcionava por meio do programa ProInfância.
Além das ações mencionadas acima, o valor repassado para alimentação escolar de todas as crianças matriculadas em creches públicas e conveniadas com o poder público e em pré-escolas foi ampliado pelo MEC em 66%. E o Programa Saúde na Escola, do Ministério da Saúde, será estendido às creches e pré-escolas. Assim, teremos crianças bem alimentadas, saudáveis e estimuladas.
Por que começamos com 0 a 6 anos?
De posse do diagnóstico que mostrou que a extrema pobreza se concentrava em crianças e adolescentes de até 15 anos, fez-se necessário desenhar uma ação para essa faixa etária. Era urgente melhorar a condição da parcela mais vulnerável e “sem voz” desse público: as crianças de 0 a 6 anos, fase crucial do desenvolvimento físico e intelectual, que passa rápido e influencia o resto de suas vidas. A cada ano da primeira infância vivido na extrema pobreza, a criança perde oportunidades que não terá de novo adiante.
E por que expandir para até 15 anos?
Dos 7 aos 10 anos, as crianças começam a vivenciar o aprendizado mais formal na escola, com maiores responsabilidades. Passam a dominar a leitura, a escrita e as operações matemáticas básicas. Há mais socialização e os pais já não são a única referência – professores e amigos ganham importância. As crianças se tornam mais críticas e curiosas, querem saber o porquê de tudo. Passam a se comparar com outras crianças, com reflexos na autoimagem e na autoestima que podem influenciar o comportamento na adolescência e na fase adulta.
A partir dos 10 anos, entram num momento mais instável, de transição, com grandes transformações físicas, mentais e sociais. A necessidade de aceitação pelo grupo de amigos ganha mais força. Muitos se sentem rejeitados. No processo rumo à idade adulta, o adolescente desenvolve a capacidade de lidar com questões cada vez mais complexas, o pensamento abstrato, a relativização. Sem mencionar o impacto de todas as mudanças físicas e hormonais que eles enfrentam.
Tudo isso representa enormes desafios para qualquer criança ou adolescente. Caso ele viva na miséria, a situação fica muito mais difícil, e as consequências podem ser permanentes.
Dados os excelentes resultados obtidos na primeira fase do Brasil Carinhoso, não seria razoável deixar de estender seus benefícios do Brasil Carinhoso para este público – e para suas famílias, pois, a despeito do distanciamento que os filhos desejam nesta fase, os pais e irmãos continuam sendo fundamentais.
Outro motivo para reforçar o Bolsa Família junto a este público reside nas condicionalidades de educação que fazem parte do programa. Tendo sua frequência escolar acompanhada com cuidado, os estudantes do Bolsa Família tornam-se mais assíduos, e sua taxa de abandono é menor que a média dos alunos da rede pública. Com o tempo, esse comportamento já se traduz em melhor desempenho escolar. No ensino médio, a taxa de aprovação dos estudantes do Bolsa Família fica acima da média nacional.
Fim da disparidade etária: a grande contribuição do Brasil Carinhoso
Como já mencionado neste texto, antes do Brasil Carinhoso a extrema pobreza era fortemente concentrada nas crianças e adolescentes. Já entre os mais idosos, a extrema pobreza é residual (inferior a 3%), pois eles são objeto de uma extensa, forte e já consolidada rede de proteção social, que envolve elementos contributivos e não contributivos. Aposentadorias, pensões, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e aposentadoria rural mantêm baixa a extrema pobreza entre os brasileiros mais velhos.
No caso das crianças e adolescentes, essa rede de proteção era frágil, o que redundava em taxas muito elevadas de extrema pobreza (superiores a 12% dos 0 aos 15 anos), conforme mostrado no gráfico abaixo, nas colunas azuis. A diferença entre o tamanho das colunas das crianças e adolescentes e o tamanho das colunas dos brasileiros mais velhos era praticamente um abismo. Éramos um país que não protegia seus habitantes mais vulneráveis, que ainda estavam crescendo, e que em grande parte sequer podiam falar por si.
Por que seguir apostando em transferência de renda condicionada?
1) Rompimento do ciclo intergeracional de reprodução da pobreza.
A despeito do enorme sucesso do Bolsa Família, por vezes ainda ouvimos críticas sugerindo que os benefícios, por um lado, desestimulam o trabalho, e, por outro, estimulam a natalidade. Ambos são desmentidos pela realidade: pesquisas mostram que a taxa de participação dos adultos do Bolsa Família no mercado de trabalho é muito semelhante à dos demais brasileiros de mesma faixa etária. E não houve explosão da natalidade. Pelo contrário, ela vem diminuindo entre todos os beneficiários, especialmente na região Nordeste[2].
Além de não estarmos observando esses efeitos negativos que muitos prenunciaram, estamos obtendo resultados muito positivos em relação às condicionalidades, especialmente no que diz respeito à educação. A taxa de aprovação dos alunos do ensino fundamental que são beneficiários do Bolsa Família no Nordeste – onde a presença do Bolsa Família é mais significativa – é maior do que a taxa geral, observada entre todos os estudantes da rede pública.
Além disso, em todo o Brasil, o abandono escolar no ensino fundamental é menor entre os beneficiários do Bolsa Família do que na média dos alunos da rede pública. Como consequência das condicionalidades do Bolsa Família, pela primeira vez os mais pobres se saem melhor que os demais em indicadores relativos à educação.
É esse tipo de mudança que, para além do alívio imediato da situação de pobreza proporcionado pelo Bolsa Família, vai permitir o rompimento do ciclo intergeracional de reprodução da pobreza, fazendo com que esses meninos e meninas estudem mais e tenham um futuro melhor. Eles não estarão fadados a serem tão pobres quanto seus pais, pois não precisarão começar a trabalhar tão cedo. Poderão estudar e estarão muito mais preparados do que seus pais estiveram para aproveitar as oportunidades que o país oferece.
Detalhes sobre o gráfico (vide figura): As colunas em verde representam a estimativa para o percentual de miséria por faixa etária após o pagamento do Brasil Carinhoso (para famílias com filhos de 0 a 15 anos).
Verifica-se que a miséria cai em todas as faixas etárias, e já não se notam diferenças significativas entre os tamanhos das colunas. Isso significa que conseguimos, com o Brasil Carinhoso, modificar essa imagem que revelava uma das faces mais cruéis da extrema pobreza.